Em revista: Congresso Nacional de Medicina Desportiva

O Congresso Nacional de Medicina Desportiva, sob o tema “Desporto, Exercício e Saúde”, decorreu em Oeiras, de 23 a 25 de outubro, reunindo especialistas de diferentes áreas em torno da prática clínica, da ciência do exercício e da promoção da saúde.

Foram submetidos diferentes trabalhos científicos, distribuídos pelas áreas da Traumatologia, Saúde e Exercício, Decisão Médico-Desportiva e Clínica Médica. O prémio para o melhor trabalho, patrocinado pela True Clinic, foi atribuído ex aequo a duas apresentações orais de elevado mérito científico: “Sintomas Psiquiátricos na Síndrome de Sobretreino: Causa ou Consequência?” e “Mielopatia por Défice de Vitamina B12 Associado a Consumo de Óxido Nitroso em Atleta: Percurso Diagnóstico e Retorno Competitivo”.

Resumimos abaixo alguns dos temas apresentados, com foco na aplicabilidade clínica e na continuidade de cuidados. Prescrição de exercício nos cuidados de saúde primários: deve ser entendida como terapia de primeira linha, com a mesma obrigatoriedade que um fármaco. As recomendações da OMS e do ACSM convergem na “dosagem mínima” de 150-300 minutos/semana de atividade aeróbia moderada, mais 2 sessões semanais de treino de força e 1 sessão de treino de coordenação/equilíbrio, ajustados ao fenótipo clínico e funcional de cada pessoa. Na prática, a consulta deve incorporar rastreio pré-participação estruturado, prescrição escrita (específica e mensurável) e acompanhamento, e não apenas o vago “faça exercício”.

Mudança comportamental e exercício físico: tudo falha se esquecermos a “primeira linha negligenciada”. Técnicas de entrevista motivacional, metas graduais, self-monitoring e suporte digital/social aumentam a adesão ao exercício muito mais do que qualquer folheto isolado. Prescrever sem acompanhar comportamento é, hoje, clinicamente pobre.

Doença cardiovascular e prática desportiva: a pergunta chave já não é “pode fazer?”, mas “como e com que monitorização?”. As orientações europeias apontam que a maioria dos doentes com doença coronária estável, insuficiência cardíaca ligeira a moderada ou arritmias controladas beneficia claramente do exercício, desde que após avaliação cardiológica adequada. As verdadeiras contraindicações absolutas são raras (ex.: angina instável, estenose aórtica crítica sintomática, arritmias graves não controladas); a maioria das situações exige adaptação, não proibição.

Entorse do tornozelo: do acidente ao retorno à competição: ilustra bem a continuidade de cuidados, do trauma agudo (com exclusão de fratura) à implementação do protocolo PEACE & LOVE, onde o controlo de dor/edema e a mobilização precoce são indispensáveis, progredindo para reabilitação funcional com treino gradual e progressivo de força, controlo neuromuscular e proprioceção, até critérios objetivos de retorno (força simétrica, testes funcionais, estabilidade dinâmica e confiança do atleta). O erro clássico é a “alta clínica” baseada apenas na ausência de dor em repouso, ignorando défices proprioceptivos/funcionais que aumentam o risco de recidiva.

Avaliação médica e prescrição de exercício: entre a segurança clínica e a individualização, precisamos de sistemasde rastreio estruturados, algoritmos simples de decisão e espaço para adaptar à idade, comorbilidades, objetivos e contexto socioeconómico. Programas seguros e personalizados assentam em três pilares: início abaixo do limiar de risco, progressão gradual (regra dos 10% por semana como referência) e monitorização contínua (sintomas, adesão, carga externa e interna).

Posso ou não competir?”: não deve ser uma decisão  paternalista, mas uma decisão médico-desportiva partilhada, em que o atleta  compreende riscos, incertezas e alternativas e participa ativamente na  decisão.  

 Medicina Desportiva e do Exercício no SNS: precisa de dar o salto,  sair do nicho, entrar nos centros de saúde, integrar equipas  multidisciplinares e ser medida não só em medalhas, mas em anos de vida  saudável ganhos. Se aceitarmos que o exercício é “medicação essencial”, então  temos a obrigação ética de o prescrever bem, monitorizar e garantir acesso  equitativo.

Os Centros de Medicina Desportiva continuarão a ter um papel  estratégico na extensão da Medicina do Desporto à comunidade e no apoio ao  atleta de alto rendimento, com avaliações pormenorizadas e sempre em  coordenação com os clubes.

Inteligência Artificial na Medicina: o futuro desejável não é IA versus médico, mas IA com médico, usada para ganhar tempo e libertar o clínico para a relação, a empatia e a escuta ativa. A IA será tão “boa” quanto o sistema que a integrar: pode reforçar equidade, segurança e eficiência, ou, sem visão clínica, automatizar fragilidades já existentes.

Resumindo, é com muito prazer que se pode dizer que a SPMD renovou o compromisso de promover ciência, formação e colaboração em Medicina Desportiva, através de um congresso nacional abrangente e agregador. Agradecemos a todos os participantes, palestrantes, moderadores e parceiros que contribuíram para o sucesso desta edição. Até ao próximo ano!